A atitude de um policial que tira a própria vida revela a dura realidade de profissionais que sofrem com o seu serviço, com a estrutura que lhe oferecem e com o reconhecimento que lhes é negado.
Antes de começar, necessito dizer algo que gostaria de bradar com todas as forças de meus pulmões: “A Vida Vale a Pena!!”. Serei ainda mais específico, mas dessa vez gostaria que recebesse minhas palavras como uma voz mansa e enquanto recebe o meu abraço: “A sua vida vale a pena!”
Não existe bem mais precioso que a vida, portanto, é correto dizer que o assunto é delicado, mas necessário. Estou, aqui, a falar com vocês sobre suicídio e uma diretriz que estamos traçando como sindicato de abordar este tema tão sensível durante todo o mês de setembro. O Setembro Amarelo: “Pela Vida, Sempre: Policiais Civis de Mãos Dadas Contra o Suicídio"
Como sindicalistas temos uma missão muito clara, qual seja: lutar pelos direitos, interesses, reconhecimento profissional e valorização dos homens e mulheres que representamos. De maneira básica, nossa luta tem a ver com bem estar, com cuidado, com dignidade e, consequentemente, com a vida das pessoas que honrosamente nos escolheram como seus representantes.
Portanto, o setembro amarelo é, sim, de interesse de nossa categoria, especialmente se o suicídio de policiais é uma temática não apenas recorrente, mas com índices crescentes e cada vez mais preocupantes. O suicídio é, sim, um tema de interesse do nosso sindicato considerando que muitas das mazelas de nossa profissão são potencializadoras de um mal que consome primeiro a mente e a saúde e depois torna a dor tão insuportável que leva a pessoa a tirar sua própria vida.
- Quem gosta de policial?
- A mãe dele... e olhe lá!
Alguém já ouviu ou já brincou com isso?
Duvido que nunca tenha ouvido ou já feito... Mas essa brincadeira revela algo que diz muito sobre nossa profissão: especialmente em um país que em regra não valoriza seus policiais. Dados oficiais do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam um índice alto de policiais que já foram discriminados por conta de sua profissão.
A televisão e os jornais não vivem a exaltar feitos diários de bons policiais em sua arriscada e heróica rotina laboral. No entanto, o deslize de um, cria um rótulo pesado e peçonhento que a imprensa faz questão de replicar com veemência e até certa maldade. Qual o peso que esse tipo de comunicação traz a um servidor policial? Aliás, que tipo de peso coisas assim trazem a um ser humano?
Agregado a este tratamento, cerca de 75% desses trabalhadores são vítimas de ameaças, dentro ou fora do serviço; pelo menos 63% foram vítimas de assédio moral ou humilhação no ambiente de trabalho. Que tipo de profissão traz esse ônus a um trabalhador?
Aliado a estas lamentáveis estatísticas, somamos o fato de que toda a estrutura policial, seja física ou funcional corrobora para a depreciação e adoecimento de nossos profissionais. Estar em uma profissão sem perspectiva de crescimento ou valorização funcional é uma das causas para o desestímulo, o estresse e a frustação laboral, que potencializam uma série de consequências emocionais e psicológicas.
Não existe diferenciação funcional entre policiais jovens e os que estão em fim de carreira. Muitas vezes a idade e o “tempo de casa” são elementos depreciativos que justificam lotações penosas e extenuantes. Não há um crescimento funcional, apenas mais cobranças, exigências e desmerecimento. A expertise, o acúmulo de experiências profissionais e qualificação, os anos de serviços prestados não possuem o mesmo valor que em outras carreiras policiais, especialmente se comparado a outros países.
O alarmante dado de que mais de 63% dos policiais já sofreram assédio ou humilhações no ambiente de trabalho revela uma estrutura hierárquica marcada pelo despreparo, fragilizada pelo modelo arcaico de polícia e um modelo disciplinar que desprestigia a meritocracia.
Nossa formação policial exige de nós uma conduta dura e até insensível. Nos é exigido não levar os problemas do trabalho para casa e vice e versa, como houvesse um botão de liga e desliga para separar o ser humano do profissional. No entanto, não nos ensinaram como ouvir sobre o abuso sexual de uma criança ou o espancamento de uma família durante um assalto e deixar que isso não machuque nossas emoções ou nossa psiquê. Não nos ensinaram, pois isso é impossível. Somos seres humanos e não máquinas.
Esse relato, de um homem que tem seus próprios desafios pessoais, traz muito do policial e sindicalista que conhece na prática e na luta a dura realidade que como policiais enfrentamos diariamente.
Polícia é o que fazemos e fazemos de maneira excepcional. Essa profissão fantástica e penosa nos foi colocada como missão e essa missão durará por parte considerável de nossas vidas. Assim como nossos problemas e desafios existenciais, ser polícia faz parte de nosso processo de crescimento e amadurecimento, mas nunca deve ser confundido com quem nós somos.
Somos muito mais do que nossa profissão e muito maiores do que nossos problemas, e é justamente por isso que às vezes necessitamos de ajuda para retomar o caminho desta compreensão tão aparentemente trivial, mas que possui em si uma profundidade existencial que tem poder para fortalecer nossa jornada terrena.
Sua vida vale a pena! Não deixe que o preconceito ou o “jeito policial” lhe afaste do caminho da cura de suas dores mais profundas, para que ela não venha a consumir o seu desejo de viver. Até os super-heróis precisam de amparo e de cuidado. E é sobre isso que iremos falar durante todo o mês de setembro, sobre sermos excelentes profissionais e ainda melhores parceiros uns com os outros.
De aprendermos junto a nos importar com a dor de nosso irmão ou de nossa irmã. De não permitir o abuso, a humilhação ou o assédio. De cuidarmos uns dos outros, sem julgamentos, apenas emprestando os nossos ouvidos e dedicando nossa atenção a alguém que precise ou mesmo nos permitindo pedir ajuda se formos nós a precisar.
Você é amado, você é amada. Sua vida é importante! Não permita que a dor ofusque esta verdade. Se precisar, peça ajuda.
Pela Vida, Sempre: Policiais Civis de Mãos Dadas Contra o Suicídio